A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia – 3

ISV Ilegalidade

A FISCALIDADE DAS QUADRIGAS (3)

 A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia – 3

Na Grécia e na Roma antiga os administradores de impostos não se chegaram a lembrar de tributar as quadrigas, mas desde meados do século passado que os nossos Ministros das Finanças descobriram nas modernas quadrigas, puxadas a cavalos que não são os verdadeiros, uma forma de arrecadar apreciáveis receitas para compor os orçamentos.

 

A tributação da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia rege-se pelo artigo 11.º n.º 1 e 3 do Código do Imposto sobre Veículos, referindo o n.º 1 que são objeto de liquidação provisória nos termos das regras do código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas numa denominada tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos.

Refere o n.º 3 do mesmo artigo que sem prejuízo da referida liquidação provisória, se o sujeito passivo (importador) entender que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação de uma determinada fórmula que indica, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto.

Neste artigo irão ser tecidas algumas considerações sobre esta taxa que os importadores de automóveis usados tem de pagar, caso não aceitem a liquidação com base na redução pelas tabelas de antiguidade.

As taxas integram-se na categoria dos tributos e são um mal necessário, dado que se destinam, em certa medida, a financiar entidades públicas que disponibilizam serviços que satisfazem determinados tipos de necessidade de natureza essencialmente individual.

Há uma estrutura bilateral, seja porque corresponde à prestação de um serviço público, à admissão da utilização de bens do domínio público ou à remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares, isto é visam cobrar o aproveitamento dessas facilidades.

A questão do valor das taxas transporta-nos para um domínio pouco transparente, dado que, sendo receitas das entidades, há uma tendência para essas entidades empolarem esses custos, colmatando crónicas insuficiências orçamentais.

O caso da taxa de avaliação prevista no n.º 3 do artigo 11.º do CISV não foge a essa regra, mas tem implicações diferentes da generalidade das outras taxas aplicáveis.

O ato de avaliação subjacente ao pedido do proprietário do veículo de utilização de uma fórmula, só ocorre pela necessidade de se proceder à reparação de uma insuficiência do sistema normativo nacional, que não prevê que os veículos tenham um adequado valor de cobrança do imposto interno, que observe o ordenamento comunitário.

O direito interno não garante imediatamente a conformidade com o direito comunitário num plano de igualdade, discriminando entre os sujeitos passivos que importam veículos e aceitam as percentagens de redução fixadas no n.º 1 do artigo 11.º, os quais são dispensados do pagamento da taxa de avaliação, dos restantes que, por não concordarem, ficam obrigados ao respetivo pagamento.

Conforme consta da Portaria n.º 44/2011, de 26 de janeiro, atualizada pela Portaria n.º 1297/2013, de 4 de outubro, as taxas de avaliação encontram-se fixadas num montante de 200 € quando a avaliação é executada exclusivamente a partir da análise de documentos referentes a publicações especializadas do sector ou de 300 €, no caso de também se verificar a verificação física dos veículos.

Para evitar ser penalizada pelo automatismo, os importadores de automóveis usados são obrigados a suportar os custos de uma taxa de avaliação fixada em termos bastante elevados, e que constitui um fator de dissuasão das admissões dos próprios veículos, reforçando, por via indireta, os objetivos de proteção do mercado nacional de usados em detrimento dos veículos importados, sem ter quaisquer garantias de que da sua aplicação resulte a liquidação de um imposto conforme com o do direito comunitário.

Trata-se de importâncias que vão muito para além do que seria razoável fixar, tendo em conta, por exemplo os montantes que se pagam pelas inspeções técnicas ordinárias (31,49 euros) ou mesmo extraordinárias (cerca de 110 euros), a cargo das entidades afetas à segurança rodoviária.

No caso dos veículos usados, é ao particular que cabe reunir todos os elementos e fazer essa demonstração, cabendo à Administração um mero papel de validação da informação prestada.

A fixação da taxa de avaliação num tal montante é suscetível de ser considerada violadora do direito comunitário que a República Portuguesa se comprometeu a respeitar como decorre do artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Na aceção dos artigos 28.º e 30.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, a taxa de avaliação pode ser vista como uma medida de efeito equivalente a uma discriminação fiscal interna, uma vez que se trata de um encargo pecuniário exigido por ocasião da admissão de um veículo que tem por efeito causar sobre a livre circulação de mercadorias (automóveis) os mesmos efeitos restritivos de um direito aduaneiro, agravada pelo facto de tal encargo ter um efeito discriminatório e protecionista da produção nacional.

A jurisprudência é antiga mas continua atual, assim tendo acordado o Tribunal de Justiça, em 01.07.1969, no processo Comissão contra Republica Italiana (24/68) e, conforme o mesmo tribunal, apenas condições muito específicas poderiam justificar que o não fosse, conforme acórdãos de 25.01.1977, Bauhuls (46/76), de 09.11.1983, Comissão contra Dinamarca (158/82), ou de 31.05.1979, Denkavik (132/78).

Em conclusão, em nosso entender, em razão dos respetivos montantes, mediante uma adequada fundamentação jurídica, há condições para ver reconhecida judicialmente a ilegalidade da taxa de avaliação, por desconformidade com o direito comunitário

António Melo Gonçalves
Advogado

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A FISCALIDADE DAS QUADRIGAS (2)

 A problemática da admissão dos veículFisos usados provenientes da União Europeia – 2

Na Grécia e na Roma antiga os administradores de impostos não se chegaram a lembrar de tributar as quadrigas, mas desde meados do século passado que os nossos Ministros das Finanças descobriram nas modernas quadrigas, puxadas a cavalos que não são os verdadeiros, uma forma de arrecadar apreciáveis receitas para compor os orçamentos. 

No último artigo, tinha sido referido que o Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de setembro de 2021, tinha condenado a República Portuguesa, afirmando que ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no CISV, na redação que foi dada pela Lei n.º 71/2018, a mesma não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do Tratado.

No momento em que foi publicado o referido acórdão, a legislação visada já não se encontrava em vigor, uma vez que o legislador nacional, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021, tinha dado nova redação ao artigo 11.º do CISV.

A questão que se coloca é qual o alcance da aplicação do referido acórdão às admissões de veículos que se processaram enquanto a referida legislação declarada desconforme esteve em vigor.

Durante esse período, mais de cem mil veículos usados foram admitidos e a legislação que tinha emergido do acórdão de 16 de junho de 2016 (Processo C-200/15) foi-lhes aplicada, com o referido vício da desconformidade.

Há prazos para reclamar, recorrer hierarquicamente e impugnar os atos de liquidação resultantes da aplicação das leis fiscais em vigor, mas, à luz do momento em que foi publicado o acórdão, todos esses prazos se mostram ultrapassados, dado que, desde 1 de janeiro de 2021, a legislação já era outra, pelo que, se os interessados não impugnaram esses atos aquando da introdução no consumo, já não se podem socorrer destes meios jurídicos para discordar legalmente da tributação.

O único meio para suscitar a apreciação das liquidações que foram efetuadas é por via da revisão oficiosa a levar a cabo por iniciativa da AT. Com efeito, o artigo 78.º n.º 1 da Lei Geral Tributária prevê que «A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.».

Por sua vez o n.º 3 dispõe que «A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.»

Dados os automatismos existentes não há veículo matriculado sujeito ao ISV que não tenha pago o imposto, pelo que a iniciativa depende sempre da AT com fundamento em erro imputável aos serviços.

Todavia esta iniciativa da AT, por um lado não é uma faculdade mas sim um dever e, por outro a apreciação do erro imputável aos serviços, abrange não só o erro material ou de facto mas também o erro de direito.

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 4 de abril de 2016 (Processo 407/15), refere que «é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (…) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento».

Sobre o segundo aspeto, a AT argumentará sempre que se limitou a aplicar a lei que estava em vigor e que os funcionários que praticaram os referidos atos não poderiam ter agido de outro modo, mas, todavia, o Acórdão do STA de 14 de março de 2012 (Processo 1007/2011) dispõe que o erro imputável aos serviços, compreende não só o lapso material ou o erro de facto como, também, o erro de direito e essa imputabilidade aos serviços é independente da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro».

Em conclusão, é impensável que face à publicação do acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de setembro de 2021, a AT vá oficiosamente proceder à revisão de todas as liquidações potencialmente abrangidas, essencialmente por duas razões: uma de ordem financeira, dado que todas as revisões iriam importar devoluções de imposto em montantes variáveis e ninguém se voluntaria para distribuir dinheiro e outra, por tal, implicar uma enorme sobrecarga administrativa, com afetação de recursos humanos necessários para outras tarefas.

Em face disto, a única solução é os interessados que tenham admitido veículos usados no período em apreço – anterior à vigência da Lei n.º 75-B/2020, e que ainda não tenha decorrido o prazo de 4 anos sobre a liquidação do imposto, apresentarem pedidos de revisão oficiosa do ISV à AT, a qual tem o dever de lhes dar seguimento, sob pena de se poder recorrer os tribunais para a obrigar a essa revisão.

Já quanto ao montante a pedir, perfilham-se várias soluções.

A mais óbvia é pedir o montante correspondente à não consideração da desvalorização ambiental. Todavia, não se deve excluir a possibilidade de, mediante uma adequada fundamentação jurídica, efetuar pedidos mais ambiciosos, como seja a devolução de todo o ISV pago.        

António Melo Gonçalves
Advogado

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A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia – 2

ISV Ilegalidade

A FISCALIDADE DAS QUADRIGAS (2)

 A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia – 2

Na Grécia e na Roma antiga os administradores de impostos não se chegaram a lembrar de tributar as quadrigas, mas desde meados do século passado que os nossos Ministros das Finanças descobriram nas modernas quadrigas, puxadas a cavalos que não são os verdadeiros, uma forma de arrecadar apreciáveis receitas para compor os orçamentos. 

No último artigo, tinha sido referido que o Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de setembro de 2021, tinha condenado a República Portuguesa, afirmando que ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no CISV, na redação que foi dada pela Lei n.º 71/2018, a mesma não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do Tratado.

No momento em que foi publicado o referido acórdão, a legislação visada já não se encontrava em vigor, uma vez que o legislador nacional, através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2021, tinha dado nova redação ao artigo 11.º do CISV.

A questão que se coloca é qual o alcance da aplicação do referido acórdão às admissões de veículos que se processaram enquanto a referida legislação declarada desconforme esteve em vigor.

Durante esse período, mais de cem mil veículos usados foram admitidos e a legislação que tinha emergido do acórdão de 16 de junho de 2016 (Processo C-200/15) foi-lhes aplicada, com o referido vício da desconformidade.

Há prazos para reclamar, recorrer hierarquicamente e impugnar os atos de liquidação resultantes da aplicação das leis fiscais em vigor, mas, à luz do momento em que foi publicado o acórdão, todos esses prazos se mostram ultrapassados, dado que, desde 1 de janeiro de 2021, a legislação já era outra, pelo que, se os interessados não impugnaram esses atos aquando da introdução no consumo, já não se podem socorrer destes meios jurídicos para discordar legalmente da tributação.

O único meio para suscitar a apreciação das liquidações que foram efetuadas é por via da revisão oficiosa a levar a cabo por iniciativa da AT. Com efeito, o artigo 78.º n.º 1 da Lei Geral Tributária prevê que «A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.».

Por sua vez o n.º 3 dispõe que «A revisão dos atos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respetivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.»

Dados os automatismos existentes não há veículo matriculado sujeito ao ISV que não tenha pago o imposto, pelo que a iniciativa depende sempre da AT com fundamento em erro imputável aos serviços.

Todavia esta iniciativa da AT, por um lado não é uma faculdade mas sim um dever e, por outro a apreciação do erro imputável aos serviços, abrange não só o erro material ou de facto mas também o erro de direito.

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 4 de abril de 2016 (Processo 407/15), refere que «é hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (…) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento».

Sobre o segundo aspeto, a AT argumentará sempre que se limitou a aplicar a lei que estava em vigor e que os funcionários que praticaram os referidos atos não poderiam ter agido de outro modo, mas, todavia, o Acórdão do STA de 14 de março de 2012 (Processo 1007/2011) dispõe que o erro imputável aos serviços, compreende não só o lapso material ou o erro de facto como, também, o erro de direito e essa imputabilidade aos serviços é independente da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro».

Em conclusão, é impensável que face à publicação do acórdão do Tribunal de Justiça, de 2 de setembro de 2021, a AT vá oficiosamente proceder à revisão de todas as liquidações potencialmente abrangidas, essencialmente por duas razões: uma de ordem financeira, dado que todas as revisões iriam importar devoluções de imposto em montantes variáveis e ninguém se voluntaria para distribuir dinheiro e outra, por tal, implicar uma enorme sobrecarga administrativa, com afetação de recursos humanos necessários para outras tarefas.

Em face disto, a única solução é os interessados que tenham admitido veículos usados no período em apreço – anterior à vigência da Lei n.º 75-B/2020, e que ainda não tenha decorrido o prazo de 4 anos sobre a liquidação do imposto, apresentarem pedidos de revisão oficiosa do ISV à AT, a qual tem o dever de lhes dar seguimento, sob pena de se poder recorrer os tribunais para a obrigar a essa revisão.

Já quanto ao montante a pedir, perfilham-se várias soluções.

A mais óbvia é pedir o montante correspondente à não consideração da desvalorização ambiental. Todavia, não se deve excluir a possibilidade de, mediante uma adequada fundamentação jurídica, efetuar pedidos mais ambiciosos, como seja a devolução de todo o ISV pago.        

António Melo Gonçalves
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A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia

ISV Ilegalidade

A FISCALIDADE DAS QUADRIGAS (1)

 A problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia

Na Grécia e na Roma antiga os administradores de impostos não se chegaram a lembrar de tributar as quadrigas, mas desde meados do século passado que os nossos Ministros das Finanças descobriram nas modernas quadrigas, puxadas a cavalos que não são os verdadeiros, uma forma de arrecadar apreciáveis receitas para compor os orçamentos. 

 O tema que hoje se trata tem a ver com a problemática da admissão dos veículos usados provenientes da União Europeia.

A Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o OE 2021, veio mais uma vez alterar as regras da tributação em matéria de admissão de veículos usados provenientes de outros países da União Europeia.

A República Portuguesa, sabendo que estava em curso no Tribunal de Justiça da União Europeia um processo intentado pela Comissão Europeia em 23 de abril de 2020, (Processo n.º C/169/2020), visando especificamente a legislação automóvel portuguesa, talvez tendo a perceção da ilegalidade da tributação, decidiu, antes mesmo de ser conhecido o acórdão comunitário, alterar o artigo 11.º da Lei n.º 22-A/2007, que aprovou o CISV. 

Trata-se de uma controvérsia muito antiga, que começou mal Portugal entrou na CEE. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de Dezembro, que revogou o IVVA e, no âmbito do Imposto Automóvel (IA), foi instituída uma tributação dos veículos usados igual à dos veículos novos, ou seja, fosse o veículo novo, ou usado com 10 anos, o IA era igual, desincentivando totalmente a admissão de veículos automóveis provenientes de outros países.

Desde a referida data, muitas alterações foram efetuadas ao regime fiscal automóvel, umas pela persuasão da Comissão e outras por força do acatamento de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de eliminar as barreiras fiscais e técnicas que se colocam à legalização de veículos provenientes de outros Estados Membros.

Em acórdão de 16 de junho de 2016, o TJUE (Processo n.º C – 200/15), já tinha considerado que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado Membro, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.

Para realizar a conformação do direito nacional com a jurisprudência comunitária, o legislador nacional publicou a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, conformação essa que mais uma vez não respeitou a jurisprudência comunitária.

Em acórdão de 2 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça veio condenar a República Portuguesa, afirmando que o ISV ao não respeitar a condição de não discriminação de veículo usado importado relativamente aos veículos nacionais, uma vez que a desvalorização do veículo usado importado de outro EM não é tida em consideração para efeitos da aplicação da respetiva componente ambiental, aquando da primeira matrícula do veículo em Portugal, violou objetivamente o artigo 110.º do TFUE como foi reconhecido no acórdão do Tribunal de Justiça.

Ficou assim aberto o caminho para que o Tribunal Constitucional julgue alguns processos que tem pendentes sobre a matéria resultantes de recursos interpostos pela AT.

Por exemplo, a AT recorreu para o Tribunal Constitucional de uma sentença proferida em 24 de abril de 2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada – Processo n.º 616/17.6BEALM, que julgou procedente, por provada, a impugnação do ISV e, em conformidade, determinou a anulação do ato de liquidação do ISV impugnado e a consequente restituição do montante de € 3.543,33 pagos pelo Impugnante, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde 12 de Dezembro de 2016, até à data de emissão da respetiva nota de crédito, mais tendo condenado a Fazenda Pública nas respetivas custas judiciais, por ter sido a parte vencida.

O caso respeita a um particular que em 2016 procedeu à admissão de um veículo da marca «BMW» proveniente da República Federal da Alemanha, que tinha como data de primeira matrícula 3 de setembro de 2009 e que pagou o ISV que lhe foi liquidado provisoriamente, não tendo chegado a recorrer ao método de avaliação.

Esta sentença somou-se a outra do mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, embora escrita por punho de juiz diferente, em que tinha sido dado razão à importadora de um outro veículo igualmente usado, e mandado anular o ISV e a taxa de avaliação que tinham sido pagos aquando da regularização.

A mudança operada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o objetivo de conformar a legislação fiscal automóvel com o direito comunitário, no entanto, em nosso entender, acabou por trazer mais desconformidades e ilegalidades do que aquelas que existiam na anterior legislação, não só no plano comunitário mas agora também no plano nacional. Quer o acórdão de 2 de setembro de 2021, quer a conformação da atual legislação serão analisadas com mais detalhe em próximo artigo.

António Melo Gonçalves
Advogado

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ISV – Anulação total do imposto por ilegalidade

ISV_Fisco_Devolve_todo_o_Imposto_Cobrado

Tribunal anula ISV

No âmbito de um processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada – Processo n.º 1716/15.2BEALM, foi recentemente, em 17 de abril de 2020, proferida uma sentença em que o Tribunal julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação do ISV num caso de admissão de um veículo usado e, consequentemente, anulou a liquidação do imposto bem como da taxa de avaliação cobrada à Impugnante, bem como a devolução do valor indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento do imposto e taxa de avaliação, mais determinando as custas pela Fazenda Pública.

Veículo proveniente da Alemanha

A impugnante, Filipa Brazão Melo, Advogada, adquiriu um veículo usado com dois anos de uso, na Alemanha, em 2015, tendo apresentado a respetiva Declaração Aduaneira de Veículo na Alfândega de Setúbal.

Na sequência da referida apresentação, os serviços aduaneiros efetuaram-lhe uma liquidação provisória do ISV no montante de 4102,58 € que teve por base a cilindrada do veículo e as emissões de CO2.

Inconformada com a liquidação provisória do ISV requereu aos referidos serviços uma avaliação do veículo, para o que foi obrigada a pagar uma taxa de 300 €, que determinou a fixação definitiva do ISV a pagar em 3 437,98 €, montante que foi compelida a pagar a fim de poder ter uma matrícula nacional e poder circular com o veículo.

Impugnação por ilegalidade do Imposto

Sendo advogada de profissão entendeu que a liquidação que lhe tinha sido efetuada violava claramente o Direito Comunitário por violação do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por discriminar negativamente os veículos usados provenientes de outro Estado Membro da União relativamente aos veículos usados portugueses, pelo que a cobrança do referido imposto enfermava de ilegalidade, além de que a própria taxa de avaliação que lhe tinha sido cobrada violava o artigo 25.º do Tratado, razão porque entendeu pedir ao Tribunal competente que as liquidações de ISV e de taxa de avaliação fossem anulados e os montantes que tinha pago, lhe fossem restituídos.

Artigo 11.º, nºs 1 a 3 do CISV, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, que sob a epígrafe “Taxas – veículos usados”

Em causa estava o artigo 11.º, nºs 1 a 3 do CISV, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, que sob a epígrafe “Taxas – veículos usados” estabelecia que o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória, com base na aplicação das percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respetivo custo de impacte ambiental:

A Tabela D reportava percentagens de redução do imposto para os veículos entre os um e os cinco anos que variavam entre os 20 e os 43 por cento, sendo que para os mais de cinco anos a percentagem de redução era de 52%, independentemente dos anos de uso.

A lei, todavia, preceitua que sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, se o sujeito passivo entender que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo

Fórmula do ISV

Essa fórmula tem em conta o valor comercial do veículo, o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto e o ‘custo de impacte ambiental’, aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela

Direito internacional prevalece sobre o Direito interno português

Prevendo o artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que o direito internacional prevalece sobre o direito interno português e é diretamente aplicável em território nacional, a sentença que veio a ser proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada baseou-se essencialmente no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 16 de junho de 2016, proferido no processo C-200/15, resultante de ação intentada pela Comissão Europeia contra Portugal, que veio reconhecer a justeza dos argumentos jurídicos apresentados pela Impugnante no mês de abril do ano anterior.

Na sequência do referido acórdão, o legislador português alterou a legislação através da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, mas ainda assim continuando a não se conformar com a legislação comunitária o que já motivou mais uma reação da Comissão Europeia junto do Tribunal de Justiça

NO CAAD

Recentemente foram proferidas Decisões no CAAD que vieram dar razão aos Impugnantes no reconhecimento da ilegalidade da fiscalidade automóvel no que toca à admissão de veículos doutros países, mas tem um alcance limitado. Os impugnantes puseram em causa apenas o excesso de ISV pago por conta do fator ambiental e os juízes arbitrais determinaram a correção desse excesso.

Todavia, em nosso entender, o ato de liquidação é incindível, ou seja não é passível de aperfeiçoamentos, retificações ou correções originadas por «partes doentes» da estrutura do imposto, pelo que se considera que as tributações que se praticam em sede de ISV na admissão de veículos usados provenientes de países da União Europeia continuam desconformes com o direito comunitário e como tal são ilegais

Reembolso do ISV

A Impugnante vai receber o reembolso do ISV e a taxa de avaliação, ambos com os respetivos juros indemnizatórios a contar de 2015, assim como a devolução da taxa de justiça e do recebimento das despesas que suportou a serem pagas pela AT. 

O ato de liquidação foi anulado e a liquidação não pode ser corrigida porque a legislação que tinha sido aplicada estava em desconformidade com o direito comunitário.

Aceda no Jornal de Negócios ao artigo que fizeram neste sentido.

Filipa Brazão Melo Advogados
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Carros Importados – Conformidade do Imposto sobre Veículos com Direito Europeu

Carros Importados |Imposto sobre Veículos | CTJ- Caderno de Justiça Tributária

O Nosso Consultor Jurídico António Manuel Melo Gonçalves, em conjunto com o Dr. Manuel Teixeira Fernandes, escreveu um artigo para a 24ª edição da revista semanal do Centro de Estudos Jurídicos do Minho, onde comentam a Decisão Arbitral nº 572/2018-T , relativa à Conformidade do Imposto Sobre Veículos com Direito Europeu.

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